AJD repudia declarações do prefeito Sebastião Melo
A Associação Juízas e Juízes para a Democracia - AJD - por meio do Núcleo do Rio Grande do Sul, José Paulo Bisol -, vem a público, em face da declaração proferida em entrevista concedida, no dia de ontem (12), pelo Prefeito do Município de Porto Alegre, Sr. Sebastião Mello, registrar, observar, repudiar, lamentar, enfatizar e esclarecer, o que segue: 1. REGISTRAR que a Constituição Federal, Carta Magna do Estado Democrático de Direito, é clara e inequívoca ao determinar que os Poderes são independentes e harmônicos entre si. Sendo assim, não há obrigatoriedade da participação do Poder Judiciário em reuniões que, neste caso, buscam implementar ações higienistas e desumanas, capitaneadas pelo Poder Executivo Municipal, em detrimento de pessoas que, mesmo ainda em cumprimento de pena, encontram-se em regime de liberdade decorrente do sistema progressivo, previsto em lei (art. 112 da LEP), e que tem por escopo a reintegração das pessoas condenadas ao convívio social e familiar; 2. OBSERVAR que muitas dessas pessoas, ainda em cumprimento de suas penas, deveriam estar sob a constante vigilância do Estado, porém isto não ocorre por omissão do Poder Executivo Estadual, que há 12 anos não oferta vagas nas unidades prisionais para o regime semiaberto, tampouco disponibiliza as tornozeleiras eletrônicas, em número suficiente, para o cumprimento da pena mediante monitoramento eletrônico; 3. REPUDIAR a tentativa de imputar responsabilidade de casos que possam atentar contra a Segurança Pública ao Poder Judiciário e seus integrantes, quando cediço que tal responsabilidade, de acordo com a Constituição Federal, compete aos diferentes órgãos policiais, todos vinculadas ao Poder Executivo; 4. LAMENTAR a afirmação de que as pessoas que cumprem suas penas, em regime autorizado por lei e por decisão judicial, encontrando-se em situação de liberdade, com ou sem monitoramento eletrônico, sejam consideradas seres humanos indignos e, por isso, capazes de “CONTAMINAR” outras pessoas, quando em convívio comum nos abrigos oferecidos a partir da situação de catástrofe socioambiental que assola nosso Estado. Ademais disso, a palavra "contaminação" sugere que as demais pessoas abrigadas passariam a delinquir pelo mero contato com pessoas apenadas, conjectura ofensiva a todas essas pessoas em momento de extrema vulnerabilidade; 5. ENFATIZAR que a situação de catástrofe ambiental não suspende o dever e a responsabilidade do Estado de zelar pelos direitos humanos de toda e qualquer pessoa afetada, prestando-lhe assistência, incluindo aquelas em cumprimento de pena. Dessa forma, estando os apenados desalojados em decorrência das condições socioambientais adversas, merecem tratamento isonômico com os demais desabrigados, porquanto a pena imposta não lhes retira o atributo da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil nos termos do art. 1º, III, da Constituição Federal; 6. ESCLARECER que tais declarações proferidas pelo Sr. Prefeito Sebastião Mello, ao invés de tranquilizarem as pessoas que estão amargando as consequências físicas, emocionais e materiais do desabrigamento (perdas de parentes e amigos, destruição das residências com perdas materiais e de valor afetivo), servem para agravar o sofrimento que já enfrentam, ao trazer mais preocupações. Nesse momento de tanta tristeza e desesperança, o que se almeja de um chefe do executivo municipal são condutas concretas - que não sejam discriminatórias e preconceituosas – em estrito cumprimento aos termos de nossa Constituição Federal, propiciando às vítimas, independentemente de suas condições pessoais, sociais e econômicas, acolhimento seguro e adequado, abstendo-se, inclusive, de desviar o foco da gravíssima situação do nosso Estado. Por fim, eventuais omissões do Poder Público na adoção de medidas preventivas, tais como aquelas apontadas por opiniões técnicas abalizadas, veiculadas pela imprensa em relação ao sistema de contenção de cheias em Porto Alegre, deverão ser apuradas oportunamente. O momento atual reclama a efetivação, pelo Poder Público, de medidas concretas que atenuem as consequências e o sofrimento da população gaúcha, direcionando todos os esforços nesse sentido. Porto Alegre, 13 de maio de 2024.
Decolonialismo Judicial Amazônico: a urgência de uma justiça representativa e emancipatória na Amazônia
Imagem: Wirestock no Freepik A Amazônia, bioma de importância vital para o equilíbrio climático global, encontra-se em xeque. A região é alvo de graves ameaças como o desmatamento, a escravidão contemporânea renitente, a grilagem, a mineração ilegal, o tráfico de drogas e a violência. Essas ameaças não são apenas ambientais, mas especialmente de caráter social e econômico. Impactam diretamente a vida dos povos indígenas, das comunidades tradicionais e dos trabalhadores e trabalhadoras de toda a região amazônica. A Justiça brasileira tem papel fundamental a desempenhar na defesa da Amazônia, na consecução e conformação da conduta humana em seu espaço geográfico. No entanto, a estrutura judicial da região é marcada por um colonialismo endógeno que, ao fim, acentua suas desigualdades e desconsidera suas especificidades. Na Amazônia vivem cerca de 13% (dez por cento) da população brasileira, mais de 28 milhões de habitantes, que habitam mais da metade do território nacional. Paradoxalmente, o Sistema de Justiça se apresenta neste território de forma limitada, amputada, parcial, sem efetiva representação dos povos da floresta. Essa ausência de representatividade aponta para um grave déficit democrático. Disse a Ministra Rosa Weber, então presidente do STF e do CNJ, por ocasião do Seminário Direitos Humanos, CNJ, em 22 de setembro de 2023: Racismo Ambiental, Migrações e Ações Coletivas: “A Amazônia, a despeito da grande visibilidade no Brasil e no mundo pela importância assumida no cenário ambiental, é território de escassa presença do Estado, inclusive do Estado-juiz. (...) Quanto à proteção judicial, a Amazônia Legal igualmente congrega a menor capilaridade do Judiciário, não obstante sedie grande diversidade de povos e comunidades tradicionais e alcance cerca de 60% do território brasileiro, desafios a exigir organização e integração do Poder Público para garantia do exercício de direitos fundamentais e da dignidade humana às pessoas residentes na região”. A Amazônia não alcança representatividade judicial em especial nos órgãos de cúpula. Nenhum dos 11(onze) ministros do Supremo Tribunal são amazônidas. Também não há tribunal federal com sede na região. É a única região brasileira com essa negação jurisdicional. Questões fundamentais para a sustentabilidade amazônica - ambientais, indígenas, fundiárias, previdenciárias - são decididas por e a partir da longínqua Brasília, sede do TRF1 Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Adiante, os únicos estados brasileiros que não possuem um tribunal do trabalho próprio são o Amapá, o Acre, Rondônia e o Tocantins, estados amazônicos. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui 1(um) único representante amazônico entre seus 33(trinta e três) ministros. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) não possui nenhum ministro da Região Norte entre os seus 27(vinte e sete) ministros. Os únicos estados brasileiros que não detém turmas recursais próprias também estão na Amazônia. Essas negações e desigualdades em relação às demais regiões do país conspiram contra o ideal constitucional de redução das desigualdades regionais. Mais, dificultam a defesa dos interesses legítimos da Amazônia, de sua biodiversidade, do meio ambiente, bem como da promoção dos direitos dos povos indígenas e tradicionais e da promoção do direito ao trabalho decente dos trabalhadores e das trabalhadoras da região, tão necessários na presente quadra histórica. O decolonialismo judicial amazônico é expressão que - a partir dos conceitos de necessária desconstrução do colonialismo que nos permeia - tem a clara pretensão de promover um processo de transformação da estrutura judicial da região, de modo a torná-la mais representativa e, portanto, inclusiva e democrática. Essa transformação precisa contemplar os seguintes aspectos, sem prejuízo de outras valiosas contribuições: Presença no STF e nos Tribunais Superiores de representantes amazônicos(as): evidente a carência representativa, tal se impõe pela observância e proteção da própria sociedade democrática que se visa construir em território nacional. Criação de um tribunal federal amazônico: esse tribunal seria o responsável por julgar os casos mais candentes e relevantes para a sustentabilidade da região, como os relacionados ao meio ambiente, aos direitos previdenciários e às questões indígena e fundiária, incluída aí a necessária criação de turmas recursais em todos os estados amazônicos. Criação de tribunais do trabalho nos estados amazônicos: essa medida facilitaria o acesso à justiça para os trabalhadores e trabalhadoras da região e em todas as suas unidades federativas, conformando a atividade humana no seu sentido emancipatório e protetivo, conspirando ao fim e ao cabo para a sustentabilidade do meio ambiente amazônico, incluído aí necessária higidez do meio ambiente laboral constitucional. O decolonialismo judicial amazônico é, portanto, um processo urgente e necessário com a consequente criação e implementação de tribunais e órgãos jurisdicionais que conformem a atividade humana e promovam a vida e a sustentabilidade amazônicas. Ele é fundamental para a construção de uma Amazônia mais justa, sustentável e próspera. A Justiça amazônica deve ser adequada às especificidades da região e ser aplicada por quem entenda e viva os desafios da região. Só assim ela poderá ser um instrumento de transformação social, promover o trabalho decente e emancipatório e contribuir para o urgente equilíbrio climático global.
Em defesa da soberania do Brasil: AJD sobre o caso Elon Musk e o inquérito das "Fake News"
Nos últimos dias, o país presenciou uma série de ataques do empresário sul-africano Elon Musk contra o Supremo Tribunal Federal em geral, e o Ministro Alexandre de Moraes em particular, que eram acusados de promover a censura no Brasil. Os ataques referiam-se a ordens judiciais do Ministro, no bojo do inquérito das fake news e das investigações sobre a tentativa de Golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023, que determinavam a suspensão de contas de pessoas envolvidas naquelas investigações na plataforma “X” (antigo Twitter). Mais recentemente, o Comitê de Assuntos Judiciários do Congresso dos EUA emitiu um documento intitulado “Ataque à liberdade de expressão no exterior e o silêncio do governo Biden: o caso Brasil”, onde lista alguns desses casos e critica o Ministro, acusando-o da prática de censura. Os ataques do bilionário sul-africano ao Supremo são uma piada de péssimo gosto. Homem que historicamente alinha-se aos setores mais reacionários na política em vários países, que mantém fábricas da Tesla na China, onde efetivamente há controle sobre o conteúdo das redes sociais (algo inexistente aqui) e que recentemente, a respeito de acusações de beneficiar-se em possível golpe de Estado na Bolívia contra o ex-Presidente Evo Morales, disse que “vamos dar golpe em quem quisermos”, não pode ser levado a sério por nenhum interlocutor razoável. Suas falas são meras bravatas despidas de qualquer conteúdo seriamente considerável e devem ser simplesmente ignoradas. Mas a situação muda de figura quando um Comitê do Congresso de um país com quem mantemos amplo relacionamento comercial e diplomático, critica, entre outras medidas, decisões vigentes da nossa Suprema Corte. O Brasil atravessou, e ainda atravessa, momentos extremamente difíceis do ponto de vista institucional desde a pandemia, quando o STF foi obrigado a atuar na defesa da saúde e da integridade de nossos cidadãos, enquanto o Ministério da Saúde omitia-se em gerar e gerir políticas públicas que poderiam ter minimizado o número de 700 mil mortes pela Covid-19, até sua atuação, junto ao TSE, para defender as eleições e seu resultado contra uma tentativa de Golpe de Estado. Concorde-se ou não com a totalidade das medidas e decisões adotadas pelo Tribunal, é certo que, não fosse sua atuação firme e decidida, em especial do Ministro Alexandre de Moraes, tanto no Supremo quanto na Presidência do TSE, nós, hoje, talvez não gozássemos da liberdade e da possibilidade de reconstrução institucional em curso, diante das constantes, e ainda existentes, ameaças de fascistas e simpatizantes à nossa democracia. É lamentável que comitê do Congresso dos EUA, que também passou por crise semelhante após o ataque ao Capitólio, em começos de 2021, em vez de defender sua própria democracia, prefira envergonhar sua instituição, ao expor seus vínculos com o fascismo naquele país, atacando decisões de nosso Supremo Tribunal para enfraquecer seu próprio governo eleito. A AJD solidariza-se com o Ministro Alexandre de Moraes e com todos os demais integrantes do Supremo, ao mesmo tempo em que repudia com veemência a abjeta intromissão do comitê do Congresso americano em nossa soberania. Quanto ao empresário, amolde sua atuação à legislação soberana do Brasil, se quiser fazer negócios por aqui. E evite abrir a boca para externar tolices sobre aquilo que, evidentemente, ignora por completo.